Morre Zagallo, um dos maiores nomes da história do futebol brasileiro e mundial
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Publicado em 06/01/2024

O Velho Lobo, o Formiguinha, o Senhor Copa, o Apóstolo do 13, todos morreram nesta sexta-feira (5). Encerrou-se, à noite, uma das trajetórias mais vitoriosas da história do futebol brasileiro. Foram tantas taças, tanta relevância para o esporte que, para pavimentar essa caminhada opulenta, parecia necessário reunir um grupo de craques. Mas os quatro apelidos recém-citados, o leitor bem sabe, pertenciam ao mesmo homem: Mario Jorge Lobo Zagallo. 

A morte do ex-jogador e técnico da Seleção Brasileira, aos 92 anos, foi confirmada por meio de postagem em seu perfil oficial no Instagram, na madrugada deste sábado (6). "Um pai devotado, avô amoroso, sogro carinhoso, amigo fiel, profissional vitorioso e um grande ser humano. Ídolo gigante. Um patriota que nos deixa um legado de grandes conquistas", diz a publicação

Homem de choro fácil e superstições anedóticas, Zagallo aliou inteligência e patriotismo para sagrar-se o único tetracampeão mundial de futebol. Ninguém no planeta ganhou tantas Copas quanto ele. Em 1958 e 1962, venceu a competição como um moderno ponta-esquerda; em 1970, como treinador de uma Seleção quase imbatível; em 1994, como coordenador técnico no estilo que o consagrou nos últimos tempos. Uma espécie de tio gente-boa, ora bonachão ora inflexível, que fazia os brasileiros balançarem a cabeça e comentarem, sorrindo:

– Esse Zagallo...

Foi assim no episódio do "vocês vão ter que me engolir", em 1997, quando ele voltou a treinar a Seleção e ganhou a Copa América sob críticas de parte da imprensa. Seus arroubos de impaciência eram frequentes quando alguém, mais do que mexer com Zagallo, inventava de mexer com o Brasil.

Em 1958, na Copa da Suécia, o ponta-esquerda voltava de um treino quando percebeu que, na frente do hotel, todas as bandeiras tremulavam lado a lado, menos a brasileira. Foi pedir satisfação na gerência e ficou furibundo ao descobrir que haviam colocado a bandeira de Portugal no lugar da verde-amarela. Sapateou até colocarem a certa.

— Achavam que a nossa capital era Buenos Aires! Por isso que eu digo: o futebol fez muito mais pelo Brasil do que qualquer embaixada — disse Zagallo à revista Aventuras na História.

Naqueles tempos, final dos anos 1950, a crônica esportiva o chamava de Formiguinha. Veloz e franzino, revolucionou o esquema tático ao recuar da ponta-esquerda para ajudar na marcação e povoar o meio-campo. Não era brilhante, mas trabalhava feito formiga na grama — e, em uma Seleção com Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos, não era de outro brilhante que o time precisava.

Em seus 92 anos de vida, o alagoano Zagallo talvez nunca tenha sido o melhor. Mas sempre soube o que fazer para tornar-se o maior.

 

A vida do único tetracampeão do mundo

A graúda vida de Zagallo contrasta com a miúda Atalaia, cidade nos arredores de Maceió, onde nasceu em 9 de agosto de 1931. Com meses de vida, foi com a família para o Rio de Janeiro, onde fincou raízes e fez história como jogador, técnico e personagem. Criou-se jogando bola pelas ruas da Tijuca, bairro da zona norte da capital fluminense. 

O desejo do pai do menino Mário Jorge era que o filho seguisse uma carreira diferente. A visão nos anos 1940 era de que aqueles que ganhavam a vida chutando uma bola eram malandros e vagabundos. Contra a vontade paterna, Zagallo perseguiu o seu sonho. Antes de criar uma relação mais íntima com as principais camisas do futebol carioca, jogou nas divisões inferiores do América, então dono de seis títulos estaduais. 

A Seleção Brasileira ainda não vestia a camisa amarela pela qual Zagallo teria uma paixão visceral por seis décadas quando o relacionamento começou. Ele era uma das quase 200 mil almas desoladas que testemunharam o Maracanazo. Paramentado com uniforme verde-oliva, bota e capacete, trabalhou na segurança da partida decisiva da Copa do Mundo de 1950, quando o Brasil perdeu por 2 a 1 para o Uruguai, no Maracanã. Decisões como aquela se tornariam corriqueiras em sua carreira, em geral com resultados animadores. Dos sete Mundiais em que trabalhou, em cinco alcançou a final. 

Seis meses antes daquele 16 de julho, chegou ao Flamengo para fazer a uma mudança que abriria o caminho para o surgimento de uma lenda. Deixou de vestir a camisa 10 para ter o número 11 sobre as costas. Como ponta-esquerdo se via como mais chances de conseguir um lugar na Seleção Brasileira. A versatilidade e o fôlego o transformaram em um jogador valioso, embora menos brilhante que outros nomes da sua geração.   

Pelo lado esquerdo do ataque, fechando o meio-campo, venceu as duas Copas que disputou (1958 e 1962). No final da Copa da Suécia, com vitória por 5 a 2 sobre os donos da casa, foi dele o quarto gol brasileiro, após pegar sobra em chute de Didi.

— Dividi a bola com o defensor, mas fiquei com a bola, mesmo que ele fosse muito mais forte. Fiquei na frente do goleiro, chutei embaixo dele, no canto esquerdo — relata Zagallo, no livro Goal, publicação da Fifa em homenagem a todos os jogadores que foram às redes em uma decisão de Mundial. 

 

Surge o Velho Lobo 

Logo depois de ter colocado a mão na Jules Rimet pela primeira vez, trocou o Flamengo pelo Botafogo, mesmo que propostas mais vantajosas tenham sido oferecidas. No clube de General Severiano, desfilou seu futebol ao lado de nomes como Garrincha, Nilton Santos, Manga, Paulistinha, Amarildo e Quarentinha, time que ficou conhecido como a Selefogo. Dois anos depois do bi no Chile, a Formiguinha deixou o gramado para iniciar a sua vida como Velho Lobo.

Seis anos depois, aos 39 anos, Zagallo se tornou o técnico mais novo a assumir o comando da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1970. Uma escolha tão controversa quanto exitosa. De temperamento forte e de posição política clara, o gaúcho João Saldanha foi demitido por não ter cedido aos desejos do presidente Médici de ver o centroavante Dario no time brasileiro.

A escolha de Zagallo foi respaldada por um título da Taça Brasil e dois Campeonatos Cariocas pelo Botafogo. Detratores dizem que ele assumiu um supertime estruturado. Defensores argumentam que suas mudanças foram cruciais para que o mundo visse uma das equipes mais brilhantes surgidas no esporte.

Entre seus méritos, está montar uma equipe que juntava os talentos de Gérson, Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé. Outra mudança significativa foi o deslocamento de Piazza para a zaga. Dessa forma, conseguiu escalar os melhores jogadores do país.

O momento mágico durou somente o tempo que devia durar para que o encanto perdurasse pela eternidade. Quatro anos depois, na Copa da Alemanha, restou apenas a moldura da equipe do tricampeonato. A fotografia sofreu inúmeras modificações para 1974. Antes da partida contra a Holanda, minimizou a força do "Carrossel Holandês".   

— Holanda é muito tico-tico-no-fubá, que nem o América dos anos 50 —disparou.

Em um jogo ríspido, o Brasil perdeu por 2 a 0 e viu a chance do tetra virar pó.

 

A parceria com Parreira

Parreira e Zagallo levaram a Seleção ao inédito tetra. Foto: André Feltes / Agencia RBS

Demoram mais 20 anos para o tetra se concretizar. No período, as decepções do título moral em 1978, a tragédia de 1982, a desilusão dos pênaltis 1986 e os três zagueiros de 1990 se acumularam. Em 1991, Zagallo retornou à Seleção para ser o auxiliar técnico de Carlos Alberto Parreira no reencontro de uma parceria iniciada em 1970.

Na campanha do tri, Parreira era auxiliar de preparação física. Quatro anos depois, era o responsável principal pelo fôlego dos jogadores. Na sequência, os dois desbravaram o futebol do Oriente Médio. Lá, trabalharam nas seleções de Kuwait, Emirados Árabes e Arábia Saudita.

Nos quase três anos em que estiveram juntos no comando do Brasil, enfrentaram uma campanha de Eliminatórias conturbada, com direito da primeira derrota brasileira em torneios classificatórios para a Copa do Mundo. A solução para os problemas foi reintegrar Romário. O Baixinho entrou em atrito com a comissão técnica após amistoso contra a Alemanha, em amistoso em Porto Alegre no final de 1992.

Com um futebol considerado pragmático e criticado por boa parte da imprensa e dos torcedores, Parreira e Zagallo levaram a Seleção ao inédito tetracampeonato. Uma nova reedição da dupla ocorreu entre 2002 e 2006, sem o mesmo sucesso, com o Brasil sendo eliminado pela França nas quartas de final da Copa da Alemanha.    

 

Copa de 1998

Depois da Copa dos Estados Unidos, Parreira deixou o cargo, e Zagallo assumiu como técnico do time nacional pela segunda vez. O Velho Lobo teve a chance de dar ao futebol brasileiro a medalha de ouro em Jogos Olímpicos, mas caiu nas semifinais para a Nigéria.

Às vésperas dos Jogos de 1996, protagonizou uma comemoração tão marcante quanto o "vocês vão ter que me engolir". Em amistoso contra a África do Sul, o Brasil, para alegria do técnico Clive Barker, os Bafana Bana abriram 2 a 0. Na comemoração, o treinador sul-africano invadiu o gramado simulando um aviãozinho. Nos minutos finais, a Seleção conseguiu a virada, e com Zagallo ninguém provoca o Brasil. Ele invadiu o campo também imitando um avião.

A campanha no Mundial ficou marcada por dois momentos. O primeiro foi o incentivo do treinador aos jogadores antes da disputa por pênaltis na semifinal contra a Holanda. A outra, a convulsão sofrida por Ronaldo antes da decisão contra a França.

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