Começa hoje o recesso parlamentar no Congresso. De 18 a 31 de julho, parlamentares estarão “de férias” de suas atividades. Na Assembleia Legislativa gaúcha, assim como na Câmara de Porto Alegre, o recesso também inicia essa semana. Na teoria, os trabalhos deveriam retornar ao normal em agosto, com fim do recesso. Mas, na prática, não é assim que as coisas devem acontecer.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, já deixou avisado que nos meses que antecedem as eleições, os parlamentares só trabalharão duas semanas em agosto e uma em setembro. Em agosto, a Câmara funcionará entre os dias 12 e 14 e, depois, de 26 a 28. Em setembro, estão previstas atividades entre os dias 9 e 11. Ao todo, serão nove dias de trabalho.
A morosidade do Legislativo durante o período eleitoral não é novidade, ainda que tenha ganho intensidade de uns tempos pra cá. Ainda no começo do ano, após o fim dos festejos de carnaval – quando o ano de fato “começou” no Congresso – o cronograma das pautas já demonstravam que o objetivo era manter um ritmo intenso neste primeiro semestre, a fim de desacelerar depois e não deixar muita coisa para depois do recesso.
Esse compasso lento que o Congresso e as Assembleias devem adotar nos próximos meses é, em sua integralidade, em função das eleições municipais. Com particularidades muito distintas do pleito que elege deputados, senadores, governadores e presidente, a disputa nos municípios é fortemente ligada às bases eleitorais e serve, principalmente, como um “termômetro” para o pleito de 2026.
“As escolhas para prefeituras e câmaras de vereadores em outubro vão ser uma forma de teste daquilo que está por vir em 2026. Especialmente em relação a um ponto: a disputa que estabeleceu dois polos em um cenário radicalizado entre extrema-direita, centro e centro-esquerda. Com partidos concentrados ao redor de PT e PL como aglutinadores. Isso pode ser um sinalizador para eleição do Congresso em 2026”, explicou a doutora em Ciência Política e professora da Ufrgs, Cibele Cheron. Na Ciência Política, as eleições municipais são chamadas de “intermediárias”.
Dessa forma, a participação de deputados, tanto estaduais quanto federais, em pleitos municipais é necessária quando analisamos o modo que a política se configura e articula no Brasil. Essa participação pode ser feita de inúmeras formas e fica concentrada, em grande parte, nas bases eleitorais destes parlamentares. As formas de que esses deputados e senadores se engajam no pleito municipal são diversas, explica Cibele, pode ocorrer na forma de retribuição de apoio, no formato quid pro quo, pelo engajamento das lideranças municipais e coalizões nas suas próprias campanhas. Ou, ainda, em um lastro para o apoio em uma futura campanha.
“A gente sabe que os prefeitos e os vereadores funcionam muito bem como cabos eleitorais de deputados e senadores junto às bases locais, especialmente agora, com a questão das emendas parlamentares, porque o prefeito e o vereador vão diretamente dizer: “fulano deputado nos enviou este recurso, então precisamos votar nele para que ele continue nos enviando esse recurso”. O inverso também é visto – e é muito frequente dentro da política em si. “Bom, eu tenho conexão com esse parlamentar que está nos enviando esse recurso, então você precisa votar em mim ou no candidato que estou apoiando para garantir que esse recurso se mantenha”, exemplificou Cibele.
Outros elementos também são importantes de serem analisados: o envolvimento na política municipal, que é mais ligada às bases, é importante para os parlamentares se manterem próximos aos seus redutos eleitorais, associando suas imagens e construindo conexões, inclusive para ajudar a reduzir resistências dentro dos próprios partidos. Além disso, o período eleitoral é um prato cheio para os parlamentares explorem cada vez mais as redes sociais, a fim de tentar se manter em evidência e garantir visibilidade.
Cabe lembrar que deputados e senadores também devem concorrer e, com isso, direcionam suas atenções para o pleito, ao invés dos trabalhos no Congresso. Só na bancada gaúcha, por exemplo, Maria do Rosário (PT) deve disputar a prefeitura de Porto Alegre e Denise Pessôa (PT) tenta se eleger a primeira prefeita de Caxias do Sul. Mas a estimativa é de que cerca de 70 deputados venham a disputar as eleições, ainda que nem todos sejam eleitos, haverá uma movimentação de cadeiras dentro das bancadas e o cenário após outubro pode ser outro.
Para Cibele, esse ritmo lento do Congresso já podia ser observado antes mesmo do início do recesso, que começa hoje. Há uma semana os deputados já vem atuando de forma mais desacelerada, cancelando reuniões de comissões e priorizando as discussões em plenário – o que proporcionou a votação a toque de caixa da Reforma Tributária. Recesso esse que, no Congresso, acontece de forma 'indevida': por lei, os deputados só poderiam sair de 'férias' caso tivessem aprovado a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o que não foi feito. Ainda assim, essa pausa deve acontecer. O relator da LDO no Senado, senador Confúncio Moura (MDB-RO) chegou a chamar o recesso “indevido” de “recesso branco”.
A previsão é que a LDO seja votada em agosto, em alguns dos pouquíssimos dias em que os senadores devem se reunir. Mas, na prática, os parlamentares só devem voltar a atuar da forma como 'deveriam' passado o segundo turno das eleições, que acontece no final de outubro. Assim, serão dois meses de atividades parlamentares (novembro e dezembro). Nesse meio tempo, pautas importantes e necessárias para população, como a anistia aos partidos políticos que infringirem as cotas, por exemplo, vão ficando para depois.
Ainda que essa “gap” seja prejudicial para o andamento dos trabalhos, tanto em nível federal quanto estadual, a professora defende que uma consolidação das eleições em somente um ano (ao invés de dois em dois) como é feito atualmente, não é uma boa opção. Isso porque dificultaria que os eleitores fizessem uma avaliação criteriosa dos candidatos. “Atrelar todas as discussões em um grande pacotão seria uma forma de você manipular com maior facilidade o voto do eleitor. Tudo em um ‘pacotão só’ não permitiria que as pessoas contemplassem uma pluralidade. E eu entendo que a pluralidade, além de ser um dos objetivos da República, é um valor essencial do Estado Democrático de Direito e precisa de espaço para acontecer. A separação dos pleitos permite isso”, finaliza.